Com informações do Metrópoles

Casos de assédio moral dentro das forças policiais não são raros, mas ainda recebem um tratamento aquém do necessário. O assunto volta à tona com uma reportagem publicada nesta terça, 17, pelo Metrópoles, que trata de denúncias envolvendo um tenente-coronel da PMDF que, segundo o texto, foi afastado das funções.

O portal informa que o caso passou a ser investigado pela Promotoria de Justiça Militar do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e Corregedoria da corporação, após a morte de uma tenente em 22 de março, no Guará II.

De acordo com PMs ouvidos pelo Metrópoles, a tenente que tirou a própria vida não foi a única militar alvo de assédio moral por parte do superior. Mais três oficiais que eram subordinadas a Silva foram afastadas recentemente devido a problemas psicológicos. A reportagem preservou os nomes e os detalhes dos casos, em respeito às vítimas e aos parentes.

Outras denúncias foram enviadas à promotoria e estão em fase de apuração. O tenente-coronel era subcomandante administrativo nas regiões do Guará, Estrutural, Lago Sul e Setor de Indústria e Abastecimento (SIA).

O afastamento se deu a pedido do encarregado do Inquérito Policial Militar (IPM), que tramita no Departamento de Controle e Correição. Além disso, conforme apuração da reportagem, o oficial teve o porte de arma suspenso, o passaporte recolhido e está proibido de assumir função de comando.

Por meio de nota, a PMDF confirmou a decisão e ressaltou que afastar chefes em casos de suicídios de subordinados trata-se de procedimento “rotineiro”. “O referido oficial não está preso, ele foi afastado provisoriamente das funções, enquanto perdurarem as investigações. A instituição não poderá se manifestar com mais detalhes, para preservar o sigilo das apurações”, informa o texto.

O MPDFT também confirmou que há uma investigação em curso. Porém, segundo explicou, o procedimento é sigiloso, por isso não é possível divulgar detalhes da diligência. A reportagem não conseguiu contato com a defesa do tenente-coronel Márcio Barbosa da Silva.

Apesar de a PMDF tratar o afastamento dos comandantes como procedimento rotineiro, em outro caso de suicídio, ocorrido menos de 24 horas após a morte da tenente no Guará II, o superior do sargento que tirou a própria vida permaneceu na função de chefia.

O major Cláudio Peres segue desempenhando as funções de comando da Rondas Ostensivas Táticas Motorizadas (Rotam), onde o policial que se matou era lotado.

DADOS SOB SIGILO

O suicídio de militares e agentes de segurança nas diferentes polícias e instituições das Forças Armadas é tratado como tabu nas corporações. Tanto que não há dados públicos acerca do número de casos no Distrito Federal. Contudo, levantamento feito pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) ajuda a jogar luzes sobre a questão e a dar uma ideia do tamanho do problema.

Com base nos dados da pesquisa, cuja fonte é a própria Polícia Militar fluminense, de 1995 a 2009, foram registrados 58 casos de suicídio de PMs naquele estado e mais de 36 tentativas.

Conforme análise divulgada em 2016, das 58 mortes por suicídio de policiais militares da ativa, três ocorreram em serviço e 55 durante folgas. Foram, em média, três suicídios a cada ano.

Em São Paulo, segundo a Secretaria de Segurança Pública, 228 agentes suicidaram-se nos últimos 10 anos. Ou seja, uma morte a cada 17 dias. Do total de ocorrências, 182 dizem respeito a militares (79,8%) e 46 a civis (20,2%).

De acordo com o relatório, policiais com os mais altos níveis de estresse ocupacional são aqueles com tempo superior a 15 anos de serviço, sargentos, oficiais exercendo funções administrativas, divorciados, com idade acima de 30 anos, que não desfrutam de lazer em suas horas vagas; e os que não têm hobbies.

SITUAÇÃO DA PCDF

A dificuldade em encontrar dados sobre suicídio também se repete na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). Além disso, na instituição, os casos de assédio moral já se tornaram uma prática institucionalizada: isso fica muito claro quando, por exemplo, um policial civil é transferido de unidade por não se submeter às ordens ilegais e abusivas dos chefes.

Apesar das inúmeras denúncias, a PCDF não só se mantém silente sobre o problema como, praticamente, incentiva que ele ocorra. Afinal de contas, o policial civil é levado a trabalhar em desvio de função e desempenhar as atividades em uma carga horária que vai além do estipulado por lei sem receber qualquer compensação.

Isso pode ser constatado, ainda, com as recentes denúncias do Sinpol-DF sobre o curso de progressão na Academia de Polícia Civil (APC), quando a Direção Geral escalou os policiais civis a participarem das aulas emendando com o trabalho nas unidades, tanto no expediente quanto no plantão, levando-os a trabalhar por até 11 horas seguidas ou mais, sem descanso.

Atento à questão, o sindicato coletou uma série de denúncias e está tomando medidas judiciais com o intuito de inibir a prática.

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COMPORTAMENTO SUICIDA

Em 2014, um estudo do Ministério da Justiça e da Uerj ajudou a traçar o comportamento suicida entre profissionais da segurança pública. As informações foram trabalhadas considerando o banco de dados da Rede EAD da Secretaria Nacional de Segurança Pública e entrevistas com policiais militares de 27 localidades.

A pesquisa mostrou que, apesar da gravidade do problema, o suicídio policial não recebe a devida atenção do poder público nem das organizações policiais internacionais e nacionais.

Uma das razões da invisibilidade do fenômeno deve-se à cultura hierárquica na polícia. “No Brasil, o descaso do poder público é condizente com o caráter tradicional das políticas de segurança pública no país. No Rio de Janeiro, por décadas, gestores públicos priorizavam investimentos materiais (viaturas, radiocomunicação e armas) em detrimento de políticas de valorização de recursos humanos de policiais civis e militares”, destaca trecho do estudo.

Especialista em formação de mão de obra na área de segurança, o ex-policial Jorge Matos Alencar levanta outra questão. De acordo com ele, ainda existe muita fantasia em torno da profissão: “Muita gente quer ingressar nas Forças por conta do glamour, do status… Pensam que a coisa funciona como nos filmes. E a realidade é bem diferente”.

Para Alencar, é importante que essa realidade fique muito clara ao longo do treinamento. “Infelizmente, muitos soldados, policiais, vigilantes e seguranças vão para as ruas sem estar preparados para enfrentar a violência, ver pessoas morrendo, suportar uma hierarquia forte, muitas vezes injusta”, destaca. Isso, segundo ele, gera frustração e depressão.

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