O Instituto de Criminalística (IC) tem uma equipe de peritos criminais que se dedica exclusivamente ao tema | Foto: Matheus Veloso/ Especial Metrópoles

Desprezadas por grande parte da população, as moscas varejeiras são aliadas importantes em investigações de crimes violentos. Por meio de análises de larvas, ovos e insetos, é possível chegar a informações valiosas, como a data aproximada da morte, o local de execução, e até mesmo descobrir a origem de entorpecentes, assim como autoria de estupros e homicídios.

Os estudos são feitos por meio da entomologia forense, ciência que estuda características físicas, comportamentais e reprodutivas dos insetos. O Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) tem uma equipe de peritos criminais que se dedica exclusivamente ao tema.

A rotina de trabalho dos especialistas que integram o recém-inaugurado Laboratório de Entomologia Forense é marcada por uma grande diversidade de moscas, besouros, larvas e amostras de organismos em decomposição.

O olhar atento aos experimentos realizados com restos de animais é fundamental para entender o ciclo de vida de cada espécie colonizadora.

Para testar diferentes cenários, os peritos reproduzem, em estufas, situações com variedade de solo, temperatura e umidade. Isso porque cada região do país possui especificidades únicas que favorecem o crescimento de determinado tipo de inseto.

Moscas para estudo no IC | Foto: Matheus Veloso/Especial Metrópoles.  

“As pesquisas nos ajudam a entender até mesmo se, em caso de homicídio, a morte ocorreu em um local divergente ao terreno em que o corpo foi localizado. É possível chegar a essa conclusão examinando a origem de cada colônia. Algumas se propagam mais em áreas urbanas, outras próximas a rios e mata”, explicou o perito criminal Marcos Patrício.

Moscas não mentem
A contribuição dos insetos para a polícia vai muito além da resolução de casos de assassinatos. Segundo a perita criminal Ana Carolina Humanes, o leque de atuação do laboratório é variado e pode ser o elo entre o autor e a vítima.

“Uma larva que está colonizando cadáver com suspeita de estupro pode ser a principal evidência para chegar até o agressor. Caso alguma larva tenha ingerido o sêmen presente no corpo da vítima, é possível, por meio de exames, extrair o DNA do criminoso”, explicou a perita.

A entomologia também pode ser usada na apuração de denúncias de maus-tratos. “Se você chega a um local e encontra uma larva na fralda de um idoso, dá para estimar que aquela fralda não foi trocada há dois dias, por exemplo. O mesmo pode acontecer com uma criança negligenciada pelos responsáveis”, destacou Patrício.

“O leque de atuação é amplo, inclui, ainda, crimes contra o consumidor. Sobretudo em casos de pessoas que encontram larvas nos alimentos. Conseguimos saber se os insetos apareceram antes ou depois de o cliente adquirir o produto”, acrescentou Ana Carolina Humanes.

Vestígios de morte por envenenamento ou até mesmo por overdose estão presentes nos insetos. Os peritos conseguem fazer o teste para detectar cocaína diretamente nas larvas e entender se o indivíduo consumiu droga. Nesses casos, outro fator também chama a atenção: as larvas que consomem restos mortais com resquícios de cocaína se desenvolvem de forma acelerada, ficam maiores.

Quando se trata de tráfico, as descobertas vão ainda mais longe. A partir da mosca contida na droga, é possível identificar o local de origem do entorpecente, como a Colômbia.

“As moscas não mentem e são imparciais. Elas se desenvolvem na mesma velocidade, as informações delas são válidas e usadas, inclusive, em tribunais”, explicou Patrício.

Laboratório de Entomologia Forense | Foto: Matheus Veloso/Especial Metrópoles.

Ciência aplicada
A ciência dos insetos aplicada à prática forense já foi responsável por importantes contribuições para casos que repercutiram no Distrito Federal e no Brasil.

Em 2007, a capital federal se sensibilizou com o crime bárbaro que vitimou a adolescente de 14 anos Isabela Tainara. Ela foi assassinada por um gari, e a polícia só localizou o corpo 45 dias após o crime.

Com a ajuda de professores e pesquisadores do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB), peritos confirmaram que Isabela morreu no mesmo dia do desaparecimento, em 14 de maio de 2007. A constatação partiu da análise dos insetos coletados no corpo da estudante.

Segundo estudos, o olfato das moscas faz com que elas sintam o cheiro de um corpo a 10 quilômetros de distância, depois de 10 minutos da morte.

Essa espécie de superpoder do inseto permitiu que a polícia trabalhasse com mais precisão na descoberta dos restos mortais dos 154 passageiros do voo 1907 da Gol , em setembro de 2006, assim como outros acidentes, e na identificação de cemitérios clandestinos.

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