Do Metrópoles

O barulho dos pássaros se mistura ao som das risadas de crianças que brincam em suas casas com piscina e jardim bem cuidado. É como se nada pudesse dar errado nesse recanto de harmonia. Os endereços dessa rua, na QL 6 do Lago Sul, abrigam histórias felizes. Em um deles, vive um casal com seus dois filhos, cachorros, um caseiro e a empregada.

As crianças estudam no Marista da Asa Sul, para onde se estende essa sensação de segurança e acolhimento. Foi durante uma visita ao colégio dos filhos que a mãe descobriu fazer parte de um enredo trágico. O seu lar perfeito já havia sido cenário de um dos crimes mais tristes da história de Brasília.

A biblioteca do Marista leva o nome da ex-aluna Maria Cláudia Del’Isola. O mesmo sobrenome constava na papelada da venda da casa que essa mãe, seu marido e os dois filhos escolheram para viver. Eles são de Aracaju e cresceram com a liberdade de quem vem do litoral.

Curiosa, a servidora pública foi tentar entender o porquê da homenagem. Pesquisou o nome de Maria Cláudia Del’Isola na internet e sua espinha gelou. Aquele sentimento que chocou toda uma cidade, agora pertencia somente àquela mulher, no silêncio de sua descoberta. Uma doce menina havia padecido todos os tipos de violência antes de morrer e ser enterrada no chão de sua própria casa, agora o lar desses sergipanos.

Essa família não vivia em Brasília quando a cidade chorou a morte de Maria Cláudia, em 2004. As crianças que hoje criam suas memórias e dormem tranquilamente sob aquele teto jamais poderão imaginar o sofrimento dos antigos moradores. Eles não foram os primeiros a ocupar a casa após o crime, compraram-na de outras pessoas, que passaram a viver no local, após a morte de Maria Cláudia. Os Del’Isola nunca esconderam o passado do imóvel quando o venderam.

A mãe não contou aos seus meninos o que descobriu para protegê-los. Não quer que eles fiquem assombrados com tristes lembranças.

Até 9 de dezembro de 2004, era Cristina Del’Isola, a mãe de Maria Cláudia, que escrevia a história de sua família naquele lugar. Ao lado do marido, Marco Antônio, e de suas duas Marias, a Cláudia e a Fernanda, ela planejava ver as filhas construírem um futuro feliz.

Hoje, Cristina espera o dia do reencontro com Maria Cláudia. Religiosa, ela se apega à existência de um céu, onde o sofrimento e a saudade cessarão. O que está mais perto de acontecer, no entanto, é um outro reencontro, aquele que apavora os Del’Isola: com os algozes de sua menina.

Passados 11 anos, 4 meses e 27 dias desde que Adriana de Jesus Santos e Bernardino do Espírito Santo estupraram e mataram Maria Cláudia, eles reivindicam o direito à liberdade, que começa com a progressão de regime. Querem voltar ao convívio da sociedade. Os dois já cumpriram, segundo a lei brasileira, tempo suficiente para terem acesso ao benefício.

Ao longo dos últimos cinco meses, o Metrópoles acompanhou a movimentação dos pedidos feitos pelos assassinos, conversou com os principais envolvidos no caso, exceto os dois criminosos, que permanecem em silêncio desde a condenação. A reportagem revela detalhes do processo de 1.862 páginas e conta como estão as pessoas que tiveram a vida transformada naquele 9 de dezembro.

A possibilidade dos assassinos de Maria Cláudia deixarem a cadeia apavora não apenas os familiares dessa moça, que, se viva fosse, teria completado 30 anos em dezembro. Tatinha, como era carinhosamente chamada, não foi a primeira vítima de Bernardino. Nove meses antes da morte dela, Geane Barbosa da Silva, então com 13 anos, também fora estuprada e espancada pelo caseiro, em uma brutal tentativa de homicídio. Quase 12 anos depois, Geane fala pela primeira vez sobre o crime e afirma que o destino de Maria Cláudia poderia ter sido diferente. Será que Adriana e Bernardino estão prontos para a liberdade? Será que nós brasilienses estamos preparados para recebê-los de volta?

Essa matéria faz parte de uma reportagem especial produzida pelo Metrópoles. Confira na íntegra aqui.

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