Do Metrópoles 

A Polícia Militar segue com o objetivo de implementar, de forma definitiva e em todo o Distrito Federal, o registro de Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCOs), comunicado lavrado em casos de infrações de menor potencial ofensivo, que são aqueles com pena de até dois anos de prisão. Inicialmente, apenas os militares lotados no batalhão do Guará haviam recebido treinamento e estavam autorizados a fazer o registro. Agora, é a vez de os policiais do Gama adotarem o sistema.

A medida é polêmica e, desde quando foi anunciada, em 2016, é fonte de atrito entre a corporação e a Polícia Civil. No Gama, integrantes da tropa que não fizerem o registro terão, inclusive, de se justificarem ao comando do batalhão, conforme consta em memorando com data de 1º de fevereiro deste ano, obtido pelo Metrópoles.

“Nos casos de TCOs que poderiam ser lavrados pela PMDF, porém foram conduzidos à delegacia da Polícia Civil para tal, o comandante da equipe deverá justificar os motivos da não confecção do TCO pela própria PMDF”, destacou texto assinado pelo subcomandante da região, tenente-coronel Herbert de Almeida Jardim.

O coronel Helbert Borges, chefe do Centro de Comunicação Social da PMDF, explicou à reportagem que outros policiais estão sendo treinados para confeccionar as ocorrências.

“Estamos preparando a ampliação, mas ainda sem data certa para a conclusão. Todos os registros fazem parte do amadurecimento dos militares”, disse. O comando ainda não tem levantamento sobre quantos TCOs já foram registrados pelos militares.

Na avaliação da corporação, a medida significa rapidez no trâmite das ocorrências, reduzindo a sensação de impunidade, principalmente nos pequenos delitos. Santa Catarina já implementou o sistema.

Segundo a PMDF, a liberação está amparada na Lei nº 9.099/95. De acordo com a norma, “a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários”.

No dia 15 de setembro de 2016, a PM registrou o primeiro TCO sem passar por uma delegacia. O caso ocorreu no Guará, depois que um motociclista fugiu de uma barreira policial. A emissão do documento esquentou os ânimos entre as duas corporações. Policiais civis sugeriram responsabilizar criminalmente os militares que insistissem em fazer o procedimento.

O consultor em segurança pública George Dantas avalia de forma positiva a nova atribuição da PM. “A mudança tem amparo legal, é uma aspiração antiga da PM e essa é uma tendência que vem se intensificando nas demais regiões do país”, defendeu.

Entrave com a Polícia Civil

Em nota, a comunicação da Polícia Civil do Distrito Federal destacou que a Procuradoria-Geral do DF repeliu qualquer possibilidade de os policiais militares lavrarem Termos Circunstanciados.

“A confecção de ocorrências de natureza criminal pela PMDF, de forma isolada e sem comunicação à PCDF, causa grave prejuízo ao interesse público, tendo em vista que tais informações alimentam os sistemas utilizados na atividade de investigação criminal, de inteligência policial e de registro de antecedentes criminais da Polícia Civil”, ressaltou o texto.

O texto alerta, ainda, para problemas que seriam decorrentes dos registros feitos por militares. “Nos casos de drogas ilícitas, a atuação irregular da PMDF tem gerado transtornos graves, tendo sido constatada até mesmo a confecção de ‘laudos periciais’ por policiais militares, violando norma legal expressa que exige a realização de exame pericial pela perícia oficial”.

O registro dos TCOs por PMs atende recomendação da Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do Ministério Público do DF e dos Territórios (MPDFT), publicada em abril de 2016. De acordo com o documento, policiais militares e rodoviários, bem como agentes do Detran, deveriam atuar do início ao fim nos casos que não exigem perícia, mas têm perigo de dano.

Porém, no ano passado, a Corregedoria do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) estabeleceu que os militares deveriam emitir os termos circunstanciados e remetê-los à delegacia circunscricional ou especializada e não diretamente ao MP e ao Judiciário. A PMDF discordou da decisão e recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A Polícia Civil disse ter apresentado solução tecnológica que possibilita ao policial militar colher os dados no local de atendimento e encaminhar eletronicamente à PCDF.

Entretanto, os militares ainda não teriam aderido ao sistema. A nota da Polícia Civil é dura. De acordo com o texto, a PMDF optou “por atuar de forma isolada e irregular, desrespeitando a autoridade da decisão da Corregedoria de Justiça do TJDFT, que editou o Provimento nº 11, de 1º de junho de 2017, segundo o qual eles somente poderiam iniciar o registro da ocorrência, que deve ser encaminhada para análise, homologação e lavratura do Termo Circunstanciado por delegado de polícia da PCDF, que o encaminhará ao Poder Judiciário”.

Investigações prejudicadas

Em debate realizado pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO) da Câmara dos Deputados, em novembro do ano passado, o delegado Rafael Sampaio, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do DF (Sindepo), também se mostrou contrário.

“A nossa grande preocupação no Distrito Federal é o fluxo de informação. Nós não podemos admitir, passivamente, que a Polícia Militar passe todas as informações ao Poder Judiciário ou Ministério Público sem que a Polícia Civil tome conhecimento. Isso vai gerar um prejuízo inestimável para as investigações. Se não tivermos um banco de dados adequado, teremos grande dificuldade para investigar”, disse.

O sindicato dos Policiais Civis (Sinpol) reforça o coro: “Não há justificativa legal para atuação dos militares nesses casos, devendo as partes exigirem o encaminhamento delas a uma delegacia de polícia, onde lhes são conferidos todos os direitos constitucionais, inclusive de assistência de um advogado e de permanecer em silêncio”, pontuou a entidade.

Por meio de nota assinada pelo tenente-coronel José Rosemildo de Lima Sousa, presidente da Associação do Oficiais da Polícia Militar do DF (Asof-DF), a entidade manifestou apoio à lavratura dos TCOs por parte dos integrantes da PMDF, “bem como de todas as medidas que levem à adoção do ciclo completo de polícia, corrigindo uma das mais perversas distorções do sistema de segurança pública do país”.

Segundo a associação, “a lavratura do TCO pela PMDF tem como princípios a eficiência e a celeridade da atuação do poder público, permitindo o atendimento ágil à população, evitando deslocamentos desnecessários, diminuindo gastos públicos e aumentando a autonomia e independência das corporações”.

PCDF publica nota

Na noite desta sexta (9), a Polícia Civil divulgou nota para comentar o assunto. Confira a íntegra do documento.

Acerca da lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência pela PMDF, a Polícia Civil do Distrito Federal informa que constitui prerrogativa inafastável da PCDF tomar conhecimento de todos os fatos e ocorrências envolvendo ilícitos criminais, por força de mandamento constitucional previsto no art. 144, § 4º, da CF/88.

No âmbito do DF, o Decreto Distrital n.º 30.490/2009 (art. 35, § 1º, alínea “c”, § 2º, alínea “c”) incumbe ao delegado da PCDF a lavratura de Termo Circunstanciado.

A Procuradoria Geral do DF, por intermédio do Parecer n.º 0320/2008-Propes-PGDF, repeliu qualquer possibilidade de policiais militares lavrarem Termos Circunstanciados.

Logo, carece de fundamento qualquer afirmação de um suposto direito da Polícia Militar do Distrito Federal em lavrar Termo Circunstanciado, conquanto reconheçamos seu papel relevante na realização de policiamento ostensivo a fim de prevenir o elevado número de crimes.

A par disso, a confecção de ocorrências de natureza criminal pela PMDF, de forma isolada e sem comunicação à PCDF, causa grave prejuízo ao interesse público, tendo em vista que tais informações alimentam os sistemas utilizados na atividade de investigação criminal, de inteligência policial e de registro de antecedentes criminais da PCDF.

Nos casos de drogas ilícitas, a atuação irregular da PMDF tem gerado transtornos graves, tendo sido constatada até mesmo a confecção de “laudos periciais” por policiais militares, violando norma legal expressa que exige a realização de exame pericial pela perícia oficial.

Sensível à justificativa de ordem prática levantada pela PMDF, a PCDF apresentou solução tecnológica que possibilita ao policial militar colher os dados no local de atendimento e encaminhar eletronicamente à PCDF.

Entretanto, a PMDF ainda não aderiu ao sistema, optando por atuar de forma isolada e irregular, desrespeitando a autoridade da decisão da Corregedoria de Justiça do TJDFT, que editou o Provimento nº 11, de 1/06/2017, segundo o qual a PMDF somente pode iniciar o registro da ocorrência, que deve ser encaminhada para análise, homologação e lavratura do Termo Circunstanciado por Delegado de Polícia da PCDF, que o encaminhará ao Poder Judiciário.

Por fim, a Polícia Civil do Distrito Federal pauta sua atuação pela estrita legalidade e respeito ao interesse público, de modo que nenhum policial civil do Distrito Federal está obrigado a acatar ordens ilegais, acreditando no bom senso do Comando da PMDF para que se adeque aos ditames legais e do Provimento nº 11, de 1/06/2017, da Corregedoria de Justiça do TJDFT.

 

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