Do Metrópoles 

O anúncio do diretor-geral da Polícia Civil, Eric Seba, sobre a criação de uma superdelegacia para concentrar unidades especializadas em investigar corrupção, foi interpretado como jogada política em ano eleitoral. Pré-candidatos, ex-governadores, deputados e senadores que vão participar da campanha em 2018 estão convictos de que o movimento coordenado pelo governador Rodrigo Rollemberg (PSB) tem um único objetivo: abater adversários nas urnas.

No início desta semana, Seba comunicou que fará a junção das divisões de combate ao crime organizado (Deco), contra a administração pública (Decap) e contra a ordem tributária (Dicot). Também informou que as três áreas ficarão submetidas a um mesmo delegado, Fernando César Costa, quem hoje coordena a Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos (DRF). Disse ainda que a coordenação passa a vigorar no início de janeiro.

A direção da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) criou uma superestrutura de inteligência no momento mais dramático pelo qual passa a instituição. As delegacias estão sucateadas, com déficit de pessoal, funcionando apenas em horário comercial e sem capacidade para manter os plantões aos fins de semana. Considerada uma das polícias mais eficientes do país, a base da Civil nunca esteve tão desmotivada.

Os agentes que atuam na ponta reclamam não só da falta de condições de trabalho, mas de defasagem salarial. Até hoje, a categoria não conseguiu negociar qualquer reajuste com o Governo do Distrito Federal (GDF) na gestão Rollemberg. Embora a manutenção da isonomia entre as polícias Federal e Civil tenha sido um compromisso de campanha assumido pelo socialista, a PCDF não viu a cor desse dinheiro. Os federais tiveram melhorias salariais, e os civis, não. A equiparação era histórica, existia desde 1965.

“Criar uma estrutura com essas características, neste momento eleitoral, é extremamente suspeito, porque o governador centraliza todo o poder e favorece o controle da instituição. É claro que isso pode e deve ser usado politicamente”
Cristovam Buarque (PPS), senador e ex-governador do Distrito Federal

Também de olho em uma candidatura majoritária, o médico Jofran Frejat (PR) avaliou a postura do governo em reforçar o grupo de combate à corrupção, às vésperas do pleito: seria mais um “floreio para festa de carnaval do que uma medida efetiva em si”.

Deputado federal por cinco mandatos e secretário de Saúde em administrações rorizistas, Frejat é quem hoje aparece mais bem colocado nas pesquisas de intenção de voto. “O governador deveria se concentrar em melhorar a coordenação entre as polícias Civil, Militar e a Secretaria de Segurança Pública. Não há um cidadão que não sofra com a sensação de insegurança nesta cidade”, avaliou.

O deputado federal Alberto Fraga (DEM) chamou a novidade anunciada por Eric Seba de “show de pirotecnia” e “golpe eleitoreiro”.

“O governo tenta mostrar algo que não tem. Ele podia começar investigando, por exemplo, os contratos com as empresas de lixo no DF ou com as companhias que fornecem insumos para a saúde. Como o governo quer criar uma superdelegacia se as já existentes fecham as portas às 18h?”, disparou o parlamentar. Fraga foi condenado por porte ilegal de armas e responde a quatro inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF).

Insegurança pública

As críticas de adversários em relação à segurança pública no Distrito Federal encontram lastro nos balanços divulgados pelo próprio governo. De acordo com dados da Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social, nos primeiros 10 meses deste ano, a capital registrou 28.194 roubos a pedestres.

Ainda ocorreram 3.639 roubos de veículos e 2.068 assaltos a coletivos. Os comerciantes também sofreram com a violência, e seus estabelecimentos foram alvo de ladrões 1.606 vezes. Já os roubos a residências contabilizaram 691 casos entre janeiro e setembro de 2017.

Um recente caso que chocou toda a cidade se tornou representativo da audácia dos bandidos diante de uma cidade desamparada. O ciclista e estudante de doutorado da Universidade de Brasília Arlon Fernando da Silva, 29 anos, foi brutalmente assassinado após ter sua bicicleta roubada.

O crime aconteceu nas barbas do poder local, a poucos metros de distância da Câmara Legislativa, do Palácio do Buriti, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e do Tribunal de Justiça do DF (TJDFT). Uma semana depois, os investigadores ainda se esforçam para solucionar o caso.

“Fica bem claro que estão aparelhando a Polícia Civil para erguer uma estrutura capaz de produzir material que persiga e elimine adversários políticos. É uma vergonha que uma manobra dessas ocorra quando temos delegacias sucateadas, com faixas de paralisação nas portas. É o clássico uso da máquina pública em detrimento de interesses eleitoreiros”
Tadeu Filippelli (PMDB), ex-vice-governador

Indiciado por desvio de dinheiro das obras do Mané Garrincha e preso temporariamente na Operação Panatenaico, o próprio peemedebista desfia sua vulnerabilidade, mas também expõe a do chefe do Executivo local.

Na opinião de Filippelli, não haveria, por parte do governador, legitimidade para garantir que a corporação trabalhe com isenção numa investida como a anunciada por Eric Seba. “Quero ser candidato e defendo que a polícia tenha poder de investigação, pois sou alvo de inquérito, ao contrário do governador, que é réu, porque foi denunciado”.

Rollemberg responde por improbidade administrativa. Na ação, o MPDFT acusa o chefe do Executivo de nomear servidores comissionados para o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon), em vez de convocar aprovados em concurso público. Há, no entanto, uma diferença importante entre ação penal e administrativa. Uma condenação criminal pode levar à cadeia. Já as penas por improbidade geram multas e sanções administrativas, como a inelegibilidade.

Estrutura precária

Vice-presidente da Câmara Legislativa e egresso dos quadros da Polícia Civil, Wellington Luiz (PMDB) afirmou que o problema não é conceitual, mas estrutural. Para ele, não há nenhum impedimento em se criar uma superdelegacia, desde que não haja interferência política e existam condições materiais e humanas para isso.

“Ou o governo tem condições de contratar um grande número de policiais, ou é impossível criar uma delegacia. É dividir o indivisível. Não podemos ser irresponsáveis a ponto de ter uma unidade que não consegue manter a estrutura”, disse o distrital.

Já o ex-delegado de polícia, ex-deputado distrital e atualmente conselheiro do Tribunal de Contas do DF Renato Rainha apoiou a decisão da superdelegacia. Sua única ressalva é quanto ao timing da iniciativa. “Mas antes tarde do que nunca. Esse é um projeto que eu sempre defendi”, afirmou.

Na opinião de Rainha, a forma de evitar ingerência política sobre o chefe de uma coordenação com amplos poderes de investigação é dando estabilidade para o coordenador, nos moldes de um cargo como o do procurador-geral de Justiça do Distrito Federal, cuja indicação e afastamento dependem de votação na Câmara Legislativa.

Um dia após a divulgação da nova estrutura, o Sindicato dos Policiais Civis do DF (Sinpol) reagiu à medida. Para a entidade, a iniciativa é inconstitucional e inócua. “A PCDF já tem a Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública, a Decap. Entretanto, ela está tão desaparelhada que não consegue desenvolver praticamente nenhuma atividade”, expôs o Sinpol, em nota.

Segundo o sindicato, atualmente há menos de 20 agentes nessa delegacia, e as vagas abertas por aposentadoria não foram recompostas: “A falta de policiais é tamanha que a unidade desenvolveu poucas operações nos últimos anos”.

O secretário de Comunicação do GDF, Paulo Fona, rebateu as declarações. Segundo ele, “todos os que conhecem a trajetória do governador Rodrigo Rollemberg, sabem que ele nunca criou dossiês ou usou as forças policiais para perseguir ninguém”, disse. “No entanto, o combate à corrupção é prioridade do governo”, completou Fona. A Polícia Civil, no entanto, informou ao Metrópoles que não falaria sobre o caso.

 

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