CORREIO BRAZILIENSE

 

SEQUESTRO RELÂMPAGO: O CRIME QUE NÃO PARA DE ASSUSTAR

A média mensal de casos cresceu de 42, em 2010, para 61 este ano. As vítimas mais recentes são dois servidores da Câmara dos Deputados, levados da 512 Sul. Um deles é diretor-geral da Casa

 

Apesar da integração entre as forças de segurança para combater a criminalidade, as autoridades ainda não conseguiram conter a onda de sequestros relâmpagos que assusta os brasilienses de todas as classes sociais. Depois da filha do ministro da Pesca, Marcelo Crivella, e de um diplomata italiano serem levados, em menos de dois meses, da 408 Sul por criminosos, agora foi a vez de o diretor-geral da Câmara dos Deputados, Rogério Ventura Teixeira, 50 anos, ficar sob o poder de assaltantes. Ele e outro servidor da Casa foram abordados na 512 Sul, na madrugada de ontem, por três homens e abandonados no Gama. Mensalmente, essa modalidade de crime cresceu 46% nos últimos anos. Em 2010, a média era de 42 casos. No ano passado, o número subiu para 56 e, nos primeiros nove meses de 2012, foram pelo menos 61 ocorrências contabilizadas a cada 30 dias.

De janeiro a setembro deste ano, a média é de dois registros de sequestros relâmpagos a cada dia. O caso mais recente teve início à 1h30 de ontem, na 512 Sul. Rogério Ventura e Ricardo Azevedo Capille, 42 anos, foram abordados por três homens, um deles com um revólver, quando saíam de um Kia Sportage LX. As vítimas tiveram de seguir com os assaltantes até a região da Ponte Alta, no Gama. Durante o percurso, sofreram agressões na boca e nas costelas. Após abandonar os servidores, meia hora depois, o trio fugiu com o veículo, cartões, relógios, celulares e cheques das vítimas — um deles nominal, no valor de R$ 40 mil.

A reportagem entrou em contato com o gabinete de Rogério Ventura. A vítima preferiu não falar com a imprensa, mas o chefe de gabinete informou que o diretor trabalhou normalmente ontem, apesar de estar “muito assustado e abatido”. Ele ressaltou ainda que Ventura diz ter sido agredido pelos criminosos, mesmo sem ter reagido. O servidor passou pelo departamento médico da Câmara e está bem, apesar do susto. De acordo com a Divisão de Comunicação (Divicom) da Polícia Civil, a investigação do caso ficará a cargo da 1ª DP (Asa Sul). Até o fechamento desta edição, ninguém havia sido preso.

 

Local perigoso

O sequestro do diretor da Câmara não é o único registrado na 512 Sul este ano. Em fevereiro, uma mulher foi levada por dois homens armados na mesma quadra. A vítima acabou estuprada em um matagal de São Sebastião. Na 408 Sul, há 15 dias, o diplomata italiano Marco Chirullo, 37 anos, se tornou alvo de dois bandidos ao ser rendido dentro de um Toyota RAV4. Em 22 de agosto, a filha do ministro Marcelo Crivella também foi sequestrada no mesmo local. Deborah Christine Crivella, 30, conseguiu escapar do criminoso na BR-070 (veja Memória na página 22).

A escalada de sequestros relâmpagos é uma das preocupações da segurança pública. Em 2010, foram contabilizadas 504 casos. No ano seguinte, o número saltou para 675. Em 2012, só nos nove primeiros meses, as ocorrências totalizaram 554. Para o coronel da PM José Vicente da Silva, consultor e ex-secretário nacional de Segurança Pública, é preciso que as polícias Civil e Militar trabalhem juntas e compartilhem informações. “É um tipo de crime regionalizado. Os criminosos que atuam na Asa Sul não são os mesmos da Asa Norte. Eles (bandidos) têm que conhecer a rotina das vítimas”, ressalta.

Segundo o coronel, sem um levantamento prévio de informações sobre possíveis autores e localização de suspeitos, o trabalho ostensivo da PM terá pouca eficiência. Ele também critica a atuação da Força Nacional nas fronteiras do DF. “Brasília tem o maior policiamento do mundo (são 15 mil PMs e 5,4 mil policiais civis). Não necessita desse reforço. Precisa, sim, de um banco de dados compartilhado. Bandido não tem medo de cara feia, e sim de polícia eficiente.”

Na visão do professor e pesquisador em Segurança Pública da Universidade Católica de Brasília Nelson Gonçalves de Souza, uma das dificuldades de combater o sequestro relâmpago é que as ocorrências têm uma distribuição uniforme no DF. “Embora existam boas medidas, os números demonstram a dinamicidade do crime, que não apresenta um padrão regular de ocorrências. Tanto no caso de extorsão de dinheiro quanto no de roubo de veículos, a polícia pode empregar um mesmo combate, porque, normalmente, o tráfico de drogas é o motivador das ações”, acrescenta.

 

Depoimento

“Nunca vou me esquecer”

 

“Na época, estava com 43 anos. Eu saí do salão e estava em frente ao bloco onde moro quando vi dois meninos de uniforme de escola pública conversando. Ao entrar no carro, eles se aproximaram. Estavam armados. Me colocaram no banco de trás. Um encostou o revólver na minha barriga e o outro conduziu o veículo. Eles tinha 14 e 15 anos e queriam ir para Sobradinho. Para minha sorte, o que pegou o volante não sabia dirigir e tinha muito engarrafamento, pois era por volta das 18h. Ele teve dificuldades para manobrar. Uma vizinha desconfiou e avisou no salão, onde eu era conhecida, e a dona do estabelecimento ligou para a polícia. Eles acabaram furando os pneus da frente e, na subida para o Colorado, desviaram para um matagal no Taquari. Foi quando a polícia chegou. Eles correram para dentro do cerrado e eu na direção da viatura. A dupla acabou apreendida. Fiquei duas horas com uma arma apontada para mim. Com certeza, nunca vou me esquecer daqueles momentos. Tive muito medo de morrer. Fui salva pela polícia e pelo engarrafamento.”

 

BRASÍLIA QUER UMA RESPOSTA

Marcelo Tokarski

 

O crime que mais assusta Brasília é, sem dúvida, o sequestro relâmpago. Todos os dias, dois habitantes da capital do país são feitos reféns por bandidos que querem dinheiro, celulares e veículos. Indefesas, as vítimas ficam sob a mira de revólveres e são abandonadas em locais ermos. Muitas acabam agredidas. Há casos de mulheres que são abusadas. Essa violenta modalidade de crime cresceu 22% de janeiro a setembro, na comparação com o mesmo período do ano passado.

Nos primeiros nove meses deste ano, pelo menos 554 pessoas foram feitas reféns. Viveram a angústia de não saber se conseguiriam voltar com vida para casa. A maioria voltou, mas agora vive refém do trauma. O medo também muda hábitos e comportamentos da parcela da população que ainda não se viu vítima dos criminosos.

É fato que a violência assola todas as grandes metrópoles brasileiras. Não seria diferente na capital do país, hoje a terceira maior área metropolitana do Brasil. No entanto, o Distrito Federal tem cerca de 15 mil policiais militares, proporcionalmente o maior efetivo entre todas as unidades da Federação, e a Polícia Civil mais bem paga e equipada. Duas características que, por si só, bastariam para que tivéssemos um combate efetivo aos sequestros relâmpagos. Mas, infelizmente, as estatísticas mostram que isso não vem ocorrendo. O que falta então? Com a palavra, as autoridades.

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