CORREIO BRAZILIENSE

 

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Reajuste à vista para militares

Ciente da defasagem salarial, Planalto diz que, caso consiga brecha, pode atender demandas das Forças Armadas e dos servidores do Incra

ROSANA HESSEL

JULIANA BRAGA

Apesar do discurso duro, a presidente Dilma Rousseff admite, se encontrar espaço no Orçamento de 2013, dar algum reajuste aos servidores que estão com os salários mais defasados, caso dos militares — cujas reivindicações somam R$ 21 bilhões (Veja quadro) — e dos funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Entretanto, nada estará definido até 31 de agosto, último dia para encaminhar a proposta orçamentária ao Congresso.

De modo geral, todas as categorias têm sido beneficiadas pelo governo petista com a reposição da inflação desde 2003. Segundo o Planalto, os militares, os DAS (cargos de confiança) e uma carreira específica do Incra foram esquecidos. Mas reconhecer o problema não significa que eles terão preferência. Os primeiros na fila são os professores universitários, para os quais foi apresentada uma proposta na semana passada.

O governo também vê com atenção outras três categorias consideradas estratégicas: a Receita, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Polícia Federal. Em relação à Anvisa, os temores são de que uma greve dificulte a importação e a exportação de produtos. Os fiscais da Receita iniciaram o “procedimento padrão”, gerando filas de caminhões nas fronteiras. Uma paralisação da PF deixaria desprotegidas as entradas para o país.

A prioridade da presidente no momento é evitar o aumento do desemprego e estimular os investimentos no setor privado para tentar reaquecer a economia do país. Com isso, o espaço para  reajustes está cada vez menor.

De acordo com o ministro da Defesa, Celso Amorim, os militares tiveram, entre 2002 e 2010, a menor reposição salarial entre as categorias federais. Foram 85,29% no período contra 153,04% dos funcionários da Receita, por exemplo. No Incra, os salários estão defasados há 10 anos, diz a categoria. O Ministério do Planejamento diz que, desde março deste ano, já realizou mais de 140 reuniões com sindicatos para ouvir as demandas dos servidores públicos federais.

 

» Tamanho da fatura (Em R$)

 

Veja quanto de aumento os servidores estão pedindo

 

Poder Executivo

 

Servidores civis: 61,3 bilhões

Servidores militares: 21,0 bilhões

Poder Judiciário: 7,5 bilhões

Poder Legislativo : 1,3 bilhão

Ministério Público da União: 1,1 bilhão

 

Ganho real de até 74%

 

PAULA FILIZOLA

O Ministério do Planejamento rebateu ontem as justificativas dos sindicatos de professores universitários para manter a greve da categoria que dura mais de dois meses. Ao recomendarem a continuidade da paralisação, as entidades afirmaram que a proposta de reajuste salarial apresentada pelo governo, com aumento de até 45% entre 2013 e 2015, não cobre as perdas inflacionárias dos últimos anos e será insuficiente diante da alta do custo de vida que está por vir. Nas contas do Planejamento, entre 2003, quando teve inicio o processo de recomposição dos rendimentos do funcionalismo, e 2015, o ganho real (descontada a inflação) dos docentes chegará a 74%, dependendo do nível.

Segundo o ministério, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para o sistema de metas de inflação, acumulará alta de 100,3% entre 2003 e 2015. Nesse período, o reajuste máximo dos docentes será de 248,67%, o que resultará no ganho real de 74%, considerado excepcional pelo governo e um sinal claro do compromisso da presidente Dilma Rousseff de valorizar a educação no país.

Na avaliação do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, os professores terão ganhos importantes com a proposta apresentada na semana passada pelo governo federal. “É uma proteção em relação às incertezas do futuro”, avaliou. Ao longo dos próximos três anos, a remuneração de um professor titular com dedicação exclusiva passará de R$ 11,8 mil para R$ 17,1 mil. A categoria dos doutores, tida como prioridade pelo Executivo, será agraciada com o maior reajuste (45%). “Não é um bom caminho propor a ascensão na carreira sem titulação. Queremos estimular que os professores estudem para garantir uma universidade de excelência”, argumentou.

 

10 mil marcham na Esplanada

 

Com o dobro de manifestantes que o esperado, movimento parou o trânsito na área central de Brasília. As seis faixas do Eixo tiveram de ser fechadas

Depois de dois dias de movimentação fraca, a manifestação dos servidores cumpriu o prometido e reuniu na manhã de ontem aproximadamente 10 mil pessoas em caminhada pela Esplanada. O número de participantes, estimado pela Polícia Militar, é o dobro do esperado pela Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef). A marcha chegou a ocupar as seis faixas do Eixo Monumental e lotou a Praça dos Três Poderes. A multidão, no entanto, parece não ter intimidado o governo. A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, não recebeu os grevistas e o Palácio do Planalto nem sequer deu sinal de mudança na decisão de não conceder o reajuste salarial aos servidores.

Os manifestantes iniciaram o percurso em marcha às 10h, em frente à Catedral. De lá, seguiram ao Palácio do Planalto e, depois, ao bloco do Ministério do Planejamento. Com o movimento, o trânsito na área central de Brasília foi bastante prejudicado. Para o diretor da Condsef, Sérgio Ronaldo, a intransigência do Executivo em não receber os manifestantes só deve fortalecer o movimento. “O governo não pode continuar nos ignorando. Precisa aprender a administrar esse conflito com os servidores. A greve cresce a cada negativa de diálogo. Vamos nos esforçar para que a ministra do Planejamento nos receba até o último dia do acampamento”, enfatizou.

O secretário executivo da Central Sindical Popular (CSP), Paulo Barela, acredita que a marcha de ontem superou as expectativas e deve, sim, pressionar o Palácio do Planalto. “A caminhada serviu para avaliar o fôlego da greve. Depois de 60 dias de paralisação, a mobilização de 10 mil pessoas mostra que o movimento ainda está vivo”, garante. O acampamento dos servidores vai até a sexta-feira. No fim da tarde de ontem, eles voltaram a se reunir em frente ao Ministério do Planejamento e foram recebidos pelo secretário de Relações do Trabalho, Sérgio Mendonça. Na ocasião, os líderes sindicais entregaram ao secretário às propostas de cada categoria. Hoje, os manifestantes devem se mobilizar de novo nos arredores do prédio.

 

Confusão

Apesar de o percurso ter sido cumprido, em termos gerais, de forma tranquila, os protestos excessivos de alguns servidores e estudantes na porta dos ministérios da Educação (MEC) e do Planejamento provocaram um princípio de confusão. Os grevistas entraram em confronto com a polícia ao tentarem pichar os muros do MEC. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, comentou o episódio. “É um ato que agride o patrimônio e não contribui para o movimento. Tenho certeza de que esses jovens não vão se orgulhar disso no futuro”, ressaltou.

Mas o clima ficou mais tenso quando manifestantes tentaram ocupar o prédio do Planejamento. Para conter o grupo, a Polícia Militar usou gás de pimenta. Um dos manifestantes chegou a jogar um sinalizador em um policial. De acordo com a PM, duas pessoas foram presas, mas, um tempo depois, liberadas.

 

 

» Negociações

Os representantes da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e do Sindicato dos Urbanitários no DF (Stiu) se reúnem hoje, às 12h, com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para discutir o reajuste salarial de 10,73%. Já os servidores das agências reguladoras farão, à tarde, uma “marcha da regulação” entre a Catedral e o prédio do Planejamento, que será seguida de reunião com a Secretaria de Relações do Trabalho (SRT) do órgão. A categoria estima que 4,2 mil trabalhadores estão parados.

 

OPINIÃO

 

VISÃO DO CORREIO »

Grevismo ameaça fugir de controle

 

Num cenário de desaquecimento da economia, sob graves influências da crise internacional, a negociação salarial do funcionalismo público federal está radicalizada. De um lado, o governo se nega a conceder reajustes. De outro, pelo menos 350 mil profissionais cruzaram os braços.

 

Mais: vindos de diversas partes do país, servidores começaram a montar acampamento no gramado central da Esplanada dos Ministérios na última segunda-feira. Na manhã de ontem, juntaram-se aos de Brasília e, aos milhares, bloquearam as seis faixas do Eixo Monumental no trecho entre a Catedral e o Congresso Nacional; depois interditaram o outro lado, no sentido Palácio do Planalto-Rodoviária.

 

A pressão é por aumentos que, segundo o Ministério do Planejamento, custariam R$ 92,2 bilhões à União, elevando em 50% o custo atual da folha de salários. Excessos são indesejados em quaisquer circunstâncias, assim como bom-senso é imposição de toda hora. Se o momento de aperto orçamentário, com a frustração de receitas, exige mais cautela, cabe às partes entender as dificuldades para superar o impasse.

 

É o que vem ocorrendo na iniciativa privada. Não se vê greve generalizada no setor, em que pesem os crescimentos da renda e da geração de emprego refluírem, com as previsões de expansão econômica traçando curva descendente, e os acordos fechados com os trabalhadores refletindo ganhos reais menores em relação às datas-bases de 2011.

 

O ideal seria fazer justiça logo e zerar as defasagens salariais de uma vez, mas a conjuntura respalda a preocupação maior com a manutenção do nível de empregos e a recuperação do crescimento do PIB. Pior ficará se o Estado parar, com prejuízos para toda a cadeia produtiva. Algumas categorias públicas nem precisam cruzar os braços para atrapalhar os negócios. Basta reduzirem o ritmo do trabalho, já aquém das necessidades — por exemplo, no comércio internacional, com o emperramento de importações e exportações nas alfândegas.

 

Sem reivindicações descabidas nem intransigências idem, certamente será possível encontrar solução que contemple as necessidades do governo e dos trabalhadores. Boa saída pode ser pôr de escanteio o imediatismo e negociar num horizonte mais amplo. É o que vem sendo tentado com os docentes das universidades federais.

 

A categoria está parada há dois meses e a resposta à proposta governamental, que se estende até 2014, somente será conhecida na segunda-feira. Mas pode prosperar. E tem a vantagem de valorizar os professores com doutorado e dedicação exclusiva.

 

Por fim, o Congresso precisa regulamentar o direito de greve do funcionalismo. Assegurada pela Constituição de 1988, a prerrogativa segue pendente de regulamentação por lei que defina seus limites. Quanto ao governo, não pode deixar que a situação fuja de controle. E é o que prenuncia o crescimento do movimento paredista.

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