(Foto: Lucas c. Ribeiro/Sinpol-DF)

Celma Lima*

Todos sabem que a profissão de policial é exposta a fatores de estresse maiores do que em outras profissões, levando a sérios problemas emocionais. Estudos recentes apontam que o risco de suicídio entre policiais é quatro vezes superior ao da população em geral. Um policial adoecido reproduzirá relações doentias e isto é perigoso, sobretudo por ter acesso a uma arma, o que facilita qualquer ato violento, inclusive contra si mesmo.

Especialistas revelam que o ato de tirar a própria vida, de forma geral, é algo que está atrelado a questões de personalidade de cada um, mas admitem que há também fatores circunstanciais que favorecem o suicídio – como é o caso da profissão de policial, aumentando assim a incidência de suicídio nesse meio.

O ambiente de trabalho policial, que inclui rotina de assédio moral dos superiores, perseguições e amedrontamento com transferências injustificadas, escala de trabalho exaustiva, risco de vida, treinamento insuficiente e com equipamentos ruins ou obsoletos, desvalorização profissional e falta de reconhecimento pela sociedade e pelos governantes, falta de assistência à saúde e baixos salários são catalizadores para a depressão e variados problemas na saúde física do policial.

Na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) a realidade não é diferente e vários policiais civis têm, constantemente, relatado um profundo sofrimento psíquico – com quadros depressivos que se manifestam em tristeza e sentimento de desvalorização, apatia e desmotivação com a carreira policial, até em função também da grave crise financeira que se abateu sobre a categoria, sem reajuste salarial há quase 10 anos.

Em menos de 20 dias, a Polícia Civil do DF sofreu com a perda de dois policiais vítimas de suicídio: um ocorrido no dia 18 de julho e o outro em 08 de agosto. Já são três suicídios de policiais civis só no ano de 2018. O primeiro ocorreu em janeiro.

Uma atividade onde a pessoa atua com o lado mais violento e cruel da sociedade, lidando diuturnamente com a criminalidade e o risco de vida, aliado com o sentimento de inutilidade do seu esforço diário, face às benesses da lei para os criminosos, traz um sentimento de menos valia.

A constante exposição à violência urbana e à frustração por não poder contê-la pode levar ao esgotamento emocional – agravado ainda mais quando, além de tudo isso, o policial perde sua dignidade financeira.

Sem assistência à saúde, o servidor ainda se vê obrigado a continuar trabalhando, mesmo doente. Sem recomposição salarial, é também obrigado a cortar gastos, o que se traduz também em uma ameaça para o sustento da família. O que se vê na PCDF, atualmente, é a perda do poder aquisitivo dos policiais – em quase 60% de defasagem salarial –, o que os obriga a alterar o padrão de vida, tirando os filhos da escola particular e deixando de pagar o plano de saúde, por estarem super endividados.

Há um sentimento de revolta dentro da instituição ao ver que a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB) virou as costas para a categoria desde que assumiu o Governo do Distrito Federal (GDF). Hoje, em virtude desse sentimento de desvalorização, os policiais civis do DF passam pela pior situação dentro da polícia, e o governo fechou os olhos.

Os quadros depressivos dentro da instituição só aumentam e os gestores precisam se sensibilizar diante dos casos de suicídios recorrentes nos últimos anos. Fazendo uma investigação rápida sobre os seus possíveis fatores, vê-se a associação direta a problemas como falta de valorização e reconhecimento profissional.

Mesmo nessa fase mais difícil para o policial civil do DF, exigem os gestores se demostram indiferentes exigindo metas inalcançáveis e aumentam a jornada de trabalho em função do baixo efetivo. Hoje a PCDF tem cerca de 4300 policiais na ativa e precisaria estar funcionando com pelo menos o dobro deste número para atender com dignidade a população do DF e sem adoecer o policial civil.

Não se pode deixar de relatar a subnotificação dos problemas de saúde mental dentro da PCDF, que está aliada não só ao preconceito, medo e vergonha de procurar ajuda, mas também à falta de condições financeiras do policial para procurar assistência à saúde, uma vez que os policiais civis não possuem assistência médica custeada pelo Estado, e muitos partem para a automedicação como um pedido de socorro.

A Policlínica da instituição, também afetada pela falta de efetivo, tenta fazer o seu papel com responsabilidade, mas não consegue suprir o atendimento ao policial adoecido, que acaba sendo empurrado para essa situação de descaso.

Ansiedade, tremores, insônia, irritabilidade, fadiga e desânimo são alguns dos sintomas frequentes entre os policiais. Para fugir dos problemas, alguns confessam que usam drogas lícitas (álcool em sua maioria) e, às vezes, até ilícitas. Qualquer policial se sente constrangido em admitir isso, mas é a realidade atual, que se complica ainda mais com a dificuldade natural que o policial tem em revelar suas emoções. A identidade do policial é construída em torno da imagem de força e coragem, inclusive no ambiente familiar e social e não é fácil admitir ou ser visto como alguém suscetível a possíveis fragilidades.

É necessário e urgente haver uma agenda para aprimorar o que a PCDF oferece como tratamento e suporte aos policiais civis em sofrimento psíquico. É uma demanda imprescindível.

Recentemente o Sindicato dos Policiais Civis do DF (Sinpol-DF) acionou a justiça para obrigar o GDF a internar um policial civil. A entidade foi procurada pela família dele; em mãos, um laudo psiquiátrico emitido pela Policlínica com encaminhamento para internação. O documento relatando que o policial civil apresentava “humor depressivo, apático, com risco de autoextermínio” foi entregue para que a família providenciasse a internação psiquiátrica por, no mínimo, 60 dias.

A própria PCDF não equipou a Policlínica com os recursos necessários para o tratamento de internação que indicou e nem fez gestão para que pudesse oferecer convênios com clínicas particulares, assim como há em outras corporações da Segurança Pública.

Em face da urgência do caso, o Sinpol-DF se viu na obrigação de ajudar financeiramente o policial, que não dispunha de assistência média (plano de saúde). O sindicato patrocinou a internação imediata, recorrendo, então, aos meios judiciais para obrigar o GDF a arcar com os custos da internação.

Em 24 de julho, a juíza Ana Maria Ferreira determinou ao GDF a internação, com urgência, do policial civil em risco de suicídio em um hospital psiquiátrico. Por mais de uma semana, no entanto, o GDF descumpriu a decisão judicial e quando o fez, no dia 10 de Agosto, não atendeu da forma que deveria.

O prazo para o cumprimento se encerrou no dia 2 de agosto e após muita insistência do Sinpol-DF, a solução encontrada pela Secretaria de Saúde foi remover o policial da clínica onde está internado há 50 dias e transferir o tratamento para o Hospital São Vicente de Paula que não fornece as condições ideais para dar continuidade ao tratamento proposto. A família não concordou com a transferência, mas não tem condições financeiras de continuar com o tratamento na clínica particular (cerca de R$ 12.500 mensais). A Policlínica está fazendo gestão para intervir junto aos órgãos de saúde para mediar uma solução para a continuidade do tratamento do policial na clínica que se encontra.

O que nos causa estranheza é que a mesma clínica possui convênio com a Polícia Militar do DF (PMDF) para internação de policiais militares e o mesmo benefício não é estendido aos policiais civis do DF. Tratamento desigual dentro do mesmo seguimento de Segurança Pública. Notória falta de gestão da instituição e descaso com a vida do servidor. Quanto suicídios terão que acontecer para esta realidade ser mudada?

* Celma Lima é perita papiloscopista e diretora do Sindicato dos Policiais Civis do Distrito Federal (Sinpol-DF)

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