Dr. Elvis detalha o trabalho da (Fotos: Lucas C. Ribeiro/Sinpol-DF)

Da Comunicação Sinpol-DF

No Brasil, cerca de 190 pessoas desaparecem por dia, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Grande parte delas é encontrada em seguida, mas outras tantas assim permanecem por meses ou até anos. É uma situação que não só traz grande sofrimento aos familiares, como deixa suas vidas em uma espécie de limbo – à espera do reaparecimento ou ao menos da certeza de que aquela pessoa já não está mais viva.

É por isso que o Instituto de Medicina Legal (IML) da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) conta com profissionais que atuam especificamente com o objetivo de dar respostas a essas família. Graças ao trabalho dos peritos médico-legistas do Laboratório de Antropologia Forense, inúmeros corpos encontrados em avançado estado de decomposição, por exemplo, puderam ser identificados e os respectivos casos foram solucionados.

Elvis Adriano Oliveira é um dos médicos-legistas lotados na Antropologia, como é conhecido o setor. Ele explica que a seção trabalha com casos de necropsias especiais, “como de corpos encontrados abandonados no cerrado, em áreas de desova de crimes ou cemitérios clandestinos”. Segundo o médico, são casos de maior complexidade e que envolvem situações que fogem ao cotidiano. “Muitas vezes, nós trabalhamos apenas com fragmentos de corpos, com partes de cadáveres, com corpos já decompostos ou somente com ossadas”, explica.

METODOLOGIA

O médico-legista lembrou da história da Antropologia dentro da PCDF

O trabalho começa, então, com o foco na identificação da pessoa, partindo dos parâmetros mais básicos. Primeiramente, os legistas analisam se aquele material encontrado é humano ou não. Em seguida, se é o homem ou mulher, qual a estatura, qual a idade provável, etc. Dessa forma, vão reduzindo o universo de pessoas desaparecidas prováveis de serem aquela que foi encontrada.

A principal metodologia utilizada na Antropologia é a análise de arcada dentária, mas as formas de identificação variam muito, dependendo do que se tem. “Quando se tem uma ficha ou um histórico odontológico, por exemplo, do sujeito que pode ser aquele corpo, normalmente ele é identificado pela arcada mesmo. Outras vezes, no entanto, não se tem a cabeça do cadáver, por exemplo, e então serão necessários outros meios”, pondera o Dr. Elvis.

Diversos corpos já foram identificados também por comparação de Raio X ou tomografias, enquanto outros tantos foram através de próteses – a partir do número de série é feita a busca pelo paciente que recebeu aquele implante. Em casos é alguma tatuagem ainda visível que auxilia no processo. “A depender do estado do corpo, sobretudo das mãos, os peritos papiloscopistas podem ser chamados para tentar a identificação por meio das impressões digitais. O DNA, apesar de pouco utilizado, também é outra opção disponível”, elenca Elvis Adriano.

Após a identificação, busca-se esclarecer a causa da morte, as circunstâncias do crime – o que é especialmente desafiador, uma vez que normalmente a equipe tem apenas os ossos para analisar. “É algo difícil, muito trabalhoso e que poucas pessoas gostam, mas que sempre despertou meu interesse justamente por conta dos desafios”, revela o médico. Ele lembra, por outro lado, que o desinteresse geral pela área era tão grande, que o setor acabou surgindo não por um projeto institucional, mas por iniciativas pessoais.

Equipe de médicos-legistas da PCDF trabalhou em casos de grande repercussão

HISTÓRIA

“A Antropologia não fazia parte da estrutura do instituto e acabou sendo criada pela vontade de pessoas históricas como o médico-legista Eduardo Reis”, conta o colega, que há 12 anos está no setor e mais de 25 na PCDF. “Ele juntava sacos de ossos e, nas horas vagas do plantão, embaixo de uma mangueira próxima ao prédio do IML, trabalhava com esse material. Algum tempo depois, ele conseguiu um porão, onde trabalhou durante cerca de dez anos, até que conseguimos o espaço atual”, recorda Elvis, pontuando ainda os nomes dos médicos Balbino Gonçalves dos Santos, Malthus Fonseca Galvão e Aluísio Trindade Filho como fundamentais para a criação e avanço do laboratório.

Para o Dr. Elvis, a medicina legal gera, na própria população, um pouco de constrangimento e estranhamento e “isso se reflete também dentro da Polícia”. A opinião do médico é de que o IML sempre foi deixado para trás em toda a estrutura policial. “O próprio prédio foi, inclusive, um dos primeiros a ser construídos em Brasília, mas enquanto uma série de outras unidades, que tinham prédios mais novos, passaram por reformas ou tiveram novas sedes construídas, o IML permanece no mesmo local e com condições muito aquém do necessário”, analisa.

“A gente trabalha com muita dificuldade quanto à aquisição de equipamentos, por exemplo. Com muito pouco apoio institucional, mas bastante disposição dos profissionais, a Antropologia foi se desenvolvendo”, ressalta Elvis. Para ele, foi graças a essa grande vontade de fazer que o Laboratório de Antropologia Forense da PCDF se tornou referência dentro e, inclusive, fora do país.

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CASOS

Exemplos disso foram os diversos casos em que a equipe foi convocada a atuar mesmo fora do Distrito Federal. Responsáveis pela coordenação de acidentes coletivos, os médicos-legistas brasilienses estiveram à frente, por exemplo, do trabalho de identificação dos corpos do voo Gol 1907, que caiu em uma região de mata fechada do Mato Grosso em 2006 e vitimou 154 pessoas. Também trabalharam na cidade de Pisco, após um devastador terremoto que atingiu o Peru em 2007, e em Assunção, no Paraguai, no caso do incêndio do supermercado Ycuá Bolaños, que, em agosto de 2004, tirou a vida de mais de 370 pessoas.

Os médicos-legistas da Antropologia ainda fazem parte do Grupo de Trabalho Araguaia (GTA), que realiza expedições de busca por restos mortais de desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, em locais como Xambioá (TO) e São Geraldo do Araguaia (PA).

A equipe, claro, também participa de buscas no próprio Distrito Federal, acompanhando, sobretudo, os policiais da Coordenação de Repressão a Homicídios e de Proteção à Pessoa (CHPP) e da Divisão de Repressão ao Sequestro (DRS), quando há suspeitas de pessoas que possam ter sido mortas e desovadas em determinados locais. Eles utilizam, por exemplo, o radar de solo para encontrar locais onde a terra foi mexida e que podem conter um corpo enterrado. É um trabalho desgastante, mas que tem uma importância ímpar.

Entre os casos de grande repercussão solucionados graças ao trabalho dos médicos legistas da Antropologia, está o de Isabela Tainara, a menina do Sudoeste sequestrada, violentada e morta em 2007, aos 14 anos, e o de Ana Elizabeth Lofrano, mulher do ex-assessor do Senado José Carlos Alves dos Santos – envolvido no escândalo dos “Anões do Orçamento”. Esses, no entanto, foram apenas alguns das dezenas que contaram com a qualificação desses profissionais para que tivessem um desfecho.

“Dar uma resposta à família é a nossa grande satisfação, é o nosso grande retorno”, destaca o Dr. Elvis. “É uma ótima sensação quando a gente consegue entregar mesmo que seja só um cadáver à sua família, que está esperando há meses ou até anos, sem saber se o parente desaparecido está morto, vivo, peregrinando nas ruas ou em qual situação. Assim, eles poderão realizar suas homenagens, rituais de passagem, e o sepultamento do ente querido”, acrescenta.

“A segunda gratificação, que não é muito menos importante, é a questão da justiça, é auxiliar as autoridades para que ela seja feita”, pontua. “Os nossos laudos, quando conseguimos avançar e esclarecer, são fundamentais nesse processo, já que, em diversos casos, nada aconteceria se nós não trabalhássemos da forma como trabalhos para esclarecer quem é a pessoa e as circunstâncias da morte, ainda que cadáveres estejam em estados tão desafiadores”, conclui.

DIA DO PERITO MÉDICO-LEGISTA

Esta é a primeira de uma série de matérias destacando o trabalho dos peritos médico-legistas da PCDF – uma iniciativa do Sinpol-DF em alusão ao Dia do Perito Médico-Legista, comemorado neste sábado, 7 de abril.

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