Um dos principais peritos no país em identificação de corpos e esqueletos, o médico legista e geneticista forense Samuel Ferreira diz que o trabalho em Brumadinho (MG) é uma forma de “devolver a memória” da vítima às famílias. Ele e mais três colegas de Brasília auxiliam os trabalhos a convite do IML (Instituto Médico Legal) de Minas Gerais. Até esta terça-feira (5), de 134 corpos ou fragmentos localizados, 120 haviam sido identificados.
Perito da Polícia Civil de Brasília, Ferreira é coordenador científico da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos na ditadura militar (1964-1985) e do Grupo de Trabalho Perus, que examina ossadas de militantes de esquerda localizadas nos anos 90 em um cemitério na Grande São Paulo.
Ele atuou em três grandes tragédias: o incêndio no supermercado Ycuá Bolaños, em Assunção, que matou 374 pessoas em 2004, a queda do avião da Gol que se chocou com um jato Legacy, com 154 mortos em 2006, e os deslizamentos de terra na região serrana do Rio, com 918 mortes em 2011. Ferreira também participou de missões internacionais na África para identificar vítimas de crimes de guerra.
“Ser médico legista faz a gente ver a vida com outros olhos. Apesar de toda a comoção, há um trabalho a ser feito. Identificar o corpo ou os fragmentos de certa forma é devolver a memória daquela vítima para as famílias. É o mínimo que a gente pode fazer em respeito às famílias”, disse Ferreira à Folha.
O perito também tem participado do trabalho dos bombeiros no recolhimento dos corpos em campo na chamada “zona quente”, incluindo o antigo pátio de operações da Vale, onde morreram funcionários em diversas instalações, como o refeitório e o setor administrativo. Ver um corpo ou um fragmento sendo resgatado da lama, segundo Ferreira, “é uma emoção indescritível”. “Nós sabemos que para a família aquilo terá um significado profundo.”
Além do trabalho em campo, Ferreira auxilia o IML de Minas no processo de gerenciamento do fluxo, conhecido pela sigla DVI, do inglês Investigação sobre Vítimas de Desastres, que envolve criar “estações” como numa linha de montagem do caso. Há uma sequência de medidas que devem ser tomadas para que não haja troca ou perda de dados ou demora na identificação. A primeira etapa é uma entrevista com os familiares para obter todo tipo de informação que possa ajudar na identificação do corpo, tais como tatuagens, piercings, fotografias, altura, peso, relógio, anel e roupa.
Ao mesmo tempo, são colhidas as impressões digitais para comparação com os bancos de dados dos órgãos públicos. A maior parte das vítimas de Brumadinho foi identificada por esse método mais rápido. Isso foi possível, segundo Ferreira, porque as digitais da maioria dos corpos ainda estavam em boas condições. Com o passar do tempo, contudo, os peritos deverão recorrer a outros métodos, como exames de arcadas dentárias e, por fim, o teste de DNA.
A equipe de peritos de Brasília que atua em Brumadinho é formada ainda pelo médico legista Malthus Galvão, a perita criminal Heloisa Costa e a papiloscopista Jurema de Morais.
Até esta segunda-feira (4) haviam sido colhidas 400 amostras de DNA em parentes de mortos e desaparecidos. O processo de coleta é indolor, um pouco de saliva com um cotonete na parte interior da bochecha. O resultado do exame é então inserido num banco de dados para ser confrontado com os exames realizados em corpos e fragmentados ainda não identificados.
“O IML de Minas trabalha com parâmetros excelentes e apenas estamos ajudando no processo. Nossa maior dificuldade agora é de fato achar os corpos, e os bombeiros estão fazendo o máximo possível.”