As viagens interestaduais pelas estradas que cortam o Distrito Federal são marcadas pelo medo. A falta de fiscalização em alguns trechos facilita a ação de assaltantes, com tempo para fazer reféns. Na abordagem criminosa espalham o pânico entre passageiros e motoristas com disparos, ameaças de morte e arrastões. Levantamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) mostra que as BRs-060, 070 e 040 aparecem entre as mais visadas pelos bandidos. A primeira registrou a maior parte dos assaltos a ônibus interestaduais em 2016 e de janeiro a agosto deste ano.
Os criminosos escolhem, quase sempre, a madrugada e os trechos mais distantes de policiamento para os ataques armados. Violentos, eles tentam parar o ônibus com uma sequência de disparos. Em algumas situações, usam armamento longo e, para fugir, contam com o apoio de comparsas que dão cobertura em um veículo de passeio. Nos oito primeiros meses do ano, a ANTT registrou 85 desses roubos no DF e em Goiás — a média é de 10 casos por mês. Do total, 46 ocorreram na capital federal e 39, em Goiás. Em todo o ano passado, houve 101 casos: 58 nos limites brasilienses e 43 em pistas goianas.
Mas, segundo o titular da Delegacia de Roubos e Furtos (DRF) da Polícia Civil do DF, Fernando César Costa, oito ocorrências foram registradas mais perto do Distrito Federal de janeiro a setembro, em destinos com 40km a 100km de Brasília. Segundo ele, geralmente, os criminosos atacam em grupo. O investigador destaca que os ônibus interestaduais se tornam presas fáceis, pois os assaltantes têm acesso aos horários das viagens. “Como a malha viária do DF é pequena e os ônibus não são de Brasília, a coleta pericial se torna mais difícil. Ainda assim, quando o ônibus é daqui, quanto mais ágil for o registro, maiores são as chances de uma investigação preliminar rápida”, explica.
Em 2013, a DRF, em conjunto com a PRF, fez uma operação que resultou na prisão de 20 pessoas. Cumpriu, ainda, 26 mandados de busca e apreensão. “Em assaltos a ônibus, eles levam tudo. As viagens interestaduais são visadas, porque algumas rotas levam ao Paraguai, e os autores desconfiam que as pessoas estão com mercadoria ou dinheiro”, detalha o investigador.
Risco
Quem se torna vítima dos criminosos não esquece os momentos de horror. Motorista interestadual há uma década, Cristiano Silva Kassen, 38 anos, lembra as quatro horas que ele e os passageiros ficaram sob poder de cinco bandidos. Em 8 de outubro, ele saiu de Brasília com destino a Brejolândia, na Bahia, distante 704km do DF. Próximo a Alvorada do Norte (GO), a 250km de Brasília, um carro em alta velocidade se aproximou. Cristiano logo suspeitou de assalto. “Eles ultrapassaram pela faixa da esquerda e começaram a atirar. Escutei de seis a sete tiros. Uma bala atingiu o para-brisa e outra pegou na parte de baixo (do ônibus). Só abaixei a cabeça e parei. Três encapuzados entraram e outros dois ficaram no carro”, conta.
Armado, um dos homens ficou ao lado do motorista. Durante todo o tempo, o condutor sofreu ameaças de morte. Levou coronhadas no pescoço e na cabeça. Outros dois subiram e seguiram para onde estavam os 40 passageiros. “O que ficou ao meu lado me mandou seguir o Gol. Foram dois quilômetros até a gente chegar a uma estrada de terra cercada por um matagal. Lá, eles mandaram descer as malas e escolheram o que tinha de melhor”, relembra.
Depois de fazerem um arrastão, os criminosos exigiram que o motorista voltasse para a rodovia. Em seguida, fugiram. O próximo posto de fiscalização da PRF ficava a 30km de distância. Foi lá que Cristiano parou para pedir ajuda. “O que eles fazem é uma tortura psicológica imensa. É uma situação em que a gente fica constrangido. Saímos para trabalhar e não sabemos como vamos voltar”, desabafa. “Desde então, não tenho mais paz. A gente fica com medo e repensa toda a nossa vida, porque é um risco. É uma marca que ficará para sempre”, lamenta.
Baleado
Sete dias depois do assalto ao ônibus de Cristiano, uma tentativa de roubo a um coletivo que fazia a linha São Paulo—Brasília quase terminou em tragédia. Por volta das 5h30, bandidos atiraram contra outro veículo. O caso ocorreu próximo a Luziânia, a 53km de Brasília. Os criminosos perseguiram o ônibus por cerca de 15km. Depois disso, desistiram da abordagem, mas uma das balas acertou o engenheiro civil Adriano Antonio Leal da Cunha, 45, no ombro esquerdo. A vítima embarcou no veículo em Araguari, no Triângulo Mineiro. Ele voltava ao DF, onde mora durante a semana, depois de passar o feriado de 12 de outubro com a família, mas nunca pensou que seria vítima de um disparo. Adriano contou de 8 a 10 tiros.
Como ele estava em uma das poltronas da frente, lembra-se do barulho da porta de vidro estilhaçando, mas, na hora, pensou que fosse um acidente. “Começamos a escutar muitos tiros. Todo mundo deitou no corredor. As pessoas gritavam. Foi um pânico geral”, conta. Depois de fugir dos criminosos, o motorista parou em Luziânia para registrar ocorrência. Adriano foi levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da região e, depois, transferido para o Hospital de Base. A bala ainda está alojada no corpo, e ele precisará fazer acompanhamento médico.
Chefe da PRF no DF, a agente Tatiane Kawamura explica que a corporação faz um mapeamento dos pontos críticos para atuar nesses locais. Ela esclarece que o período de assaltos a ônibus varia, mas, geralmente, os criminosos são os mesmos. “Fazemos ronda, mas, como existe um trecho grande, a gente faz o que pode. O importante é o motorista entrar em contato com a PRF pelo telefone 191 ou com a unidade operacional o mais rápido possível, além de ficar atento às características dos veículos. Na maior parte das vezes, os suspeitos são violentos para fazer o ônibus parar”, explica.