Do DF Servidor 

O controle da maior unidade prisional do Rio Grande do Norte estava nas mãos de facções criminosas em guerra. Presos ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital) invadiram, em meados de janeiro, o pavilhão 4 da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta (região metropolitana de Natal), para atacar rivais do Sindicato do Crime do RN. Vinte e seis pessoas morreram no massacre. Foi a segunda maior matança em presídios brasileiros no ano – a chacina de Manaus contabilizou 56 vítimas.

Nove meses depois, o secretário estadual de Justiça e Cidadania, Luís Mauro Albuquerque, afirma ter retomado o domínio da prisão, após reformá-la em parte e fazer com que agentes penitenciários adotem “procedimentos rigorosos”, inspirados no sistema penitenciário federal. Ele diz ainda não separar os presos por facção, como era feito antes, e se arrisca a dizer que a chance de acontecer um novo massacre “é igual a zero”.

“Eles [presos faccionados] têm a certeza de que vão conseguir voltar à situação que era antes. Eu posso afirmar que isso não vai acontecer porque se eu sair, a doutrina continua. Os agentes penitenciários estão sendo treinados. O Estado vai estar presente”, afirmou Albuquerque ao UOL, em entrevista realizada dentro da penitenciária neste mês de outubro.

O Rio Grande do Norte é um dos estados nordestinos cujo índice de homicídios disparou por causa da disputa entre o PCC e facções regionais aliadas ao Comando Vermelho.

“Antes durante as visitas, familiares de presos eram estuprados nas celas, sob a desculpa de que era para pagar dívidas de drogas. Nada mais era do que um estupro. Existia prostituição aqui. Quando você deixa o crime trabalhar na cadeia, ele está ganhando dinheiro às custas e protegido pelo Estado. A gente reverteu todo esse quadro na penitenciária”, diz o secretário.

Por sua vez, entidades como OAB e Pastoral Carcerária afirmam ter recebido denúncias de maus-tratos supostamente cometidos por agentes penitenciários contra presos de Alcaçuz. Questionado sobre o assunto, o secretário afirma que todos os casos são apurados e que as queixas são estratégias de grupos criminosos que “querem desacreditar o Estado”.

Mudanças em Alcaçuz geram preocupação entre advogados do RN

Policial civil do Distrito Federal e um dos responsáveis por implantar procedimentos de segurança nos presídios federais do país, Albuquerque foi o quinto titular a assumir a Sejuc (Secretaria de Justiça e Cidadania do Rio Grande do Norte) em um período de dois anos e meio.

Logo após tomar posse, em maio, ele conseguiu reverter a decisão do governador Robinson Faria (PSD) de desativar Alcaçuz, um presídio construído em uma região de dunas. “A questão não é essa, se fosse assim, nenhum prédio seria construído em Natal. A questão é implementar um modelo de segurança aproximada por parte dos agentes penitenciários e reestruturar os pavilhões da penitenciária.”

A penitenciária era dividida ao meio por um “muro” de contêineres para separar os presos do PCC e do Sindicato do Crime do RN. Logo após o massacre, o governo retirou os contêineres e construiu um muro de 90 metros de comprimento e 6,4 metros de altura. Com a nova estrutura, os pavilhões de 1 a 4 ficaram de um lado do muro. Do outro, ficou o de número 5.

Os pavilhões 1, 2 e 3 passaram por reformas. Como o UOL já havia informado em julho deste ano, as obras consistiram em serviços de pintura, substituição das grades e telhado, e construção de uma guarita interna no pátio para supervisionar o banho de sol, além de banheiros na quadra, parlatórios, dois consultórios médicos e alojamento para os agentes penitenciários. Os presos com condenação ficam no pavilhão 1; os provisórios, no 3. O de número 2, visitado pela reportagem, ainda não recebe presos.

O pavilhão de número 4, onde houve o massacre, também está inativado. O local passará por uma reforma, ainda sem prazo para começar. “Está em processo de dotação orçamentária”, afirma a Sejuc, por meio de sua assessoria de imprensa. Pelo menos R$ 3 milhões já foram gastos nas reformas.

Atualmente 769 presos estão detidos em Alcaçuz, sendo 310 são provisórios (sem condenação) que vieram de sete CDP’s (Centros de Detenção Provisória) desativados por Albuquerque.

Por causa da inatividade do pavilhão 4, a pasta afirma não poder informar a capacidade atual de Alcaçuz. Quando foi erguida, a penitenciária era capaz de abrigar 620 presos. “Hoje as instalações são suficientes para comportar os presos que lá estão”, diz a Sejuc.

Força federal ficará por mais 30 dias

Enviada pelo governo federal após o massacre de janeiro, a Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária formada por agentes federais vai continuar por mais 30 dias no apoio à segurança de Alcaçuz. A portaria do Ministério da Justiça determinando a prorrogação foi publicada no Diário Oficial da União na última terça-feira (24).

De acordo com o documento, a força-tarefa deve exercer atividades e serviços de guarda, vigilância e custódia de presos, já que o Estado do RN ainda sofre com a falta de efetivo de agentes penitenciários.

“A operação terá o apoio logístico e a supervisão dos órgãos de administração penitenciária e segurança pública do ente federado solicitante”, diz o documento. Antes de assumir a Sejuc, Albuquerque fez parte desta força-tarefa.

OAB pede apuração sobre denúncias de maus-tratos

A transferência de presos provisórios para Alcaçuz é criticada por entidades ligadas à defesa de direitos humanos. A medida também causa preocupação entre os parentes dos presos. “Ele só vai aprender a fazer coisa ruim aí dentro. Isso não é lugar para quem não tem condenação”, disse a mãe de um preso provisório, acusado de tentativa de assalto. Sem se identificar, ela conversou com a reportagem, à entrada da penitenciária, enquanto esperava autorização para visitar o filho.

“Nós tivemos uma concentração muito grande de presos provisórios em um complexo penitenciário destinado a presos condenados a cumprir penas em regime fechado. Neste contexto, nós temos uma deturpação de certa forma, por melhor que seja a intenção”, afirma o advogado criminalista Gabriel Bulhões, coordenador do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) no Rio Grande do Norte.

Nesta semana, a OAB-RN informou em seu site que irá notificar autoridades responsáveis pelas custódias de presos a respeito das denúncias que a entidade recebeu “a respeito de maus-tratos e atos de tortura ocasionados a apenados, na Penitenciária de Alcaçuz”.

Ao UOL, a coordenadora arquidiocesana da Pastoral Carcerária no Rio Grande do Norte, Guiomar Veras, confirmou que a entidade também recebeu denúncias do mesmo tipo. “É preciso averiguar se as denúncias têm fundamento. Além disso, essa concentração de presos provisórios e condenados em um mesmo local é um risco que precisa ser mais bem avaliado”, diz.

Por sua vez, o promotor de Justiça Vitor Emanuel de Medeiros Azevedo afirmou que “a adoção de procedimentos operacionais é providência de fundamental importância para a melhoria do sistema prisional. Eventuais abusos e maus-tratos nada têm a ver com tais procedimentos; pelo contrário, revelam que os procedimentos não foram seguidos”.

A respeito da desativação dos CDP’s, o representante do MP-RN respondeu que “não há procedimento visando a impugnar a desativação de CDP’s, mesmo porque eles são prédios construídos para outras finalidades e transformados improvisadamente em estabelecimentos prisionais, sem que, todavia, ofereçam condições adequadas a essa destinação.”

Questionado pelo menos três vezes pela reportagem a respeito de tais denúncias, o secretário Luís Mauro de Albuquerque negou que as queixas tenham procedência. Para ele, trata-se de uma estratégia das facções criminosas para “desacreditar o Estado” e retomar o controle de Alcaçuz. “Os agentes penitenciários estão sendo treinados para aplicar o uso diferencial da força, se for necessário, e sem abusos”.

O secretário diz ainda que não existe contato entre os presos provisórios e os condenados que estão cumprindo pena em Alcaçuz. Ele defende os procedimentos que estão sendo adotados na penitenciária.

“Eu posso ter 200 ou 300 presos em um pavilhão, mas com dois ou três agentes eu consigo fazer qualquer ação aqui. Se eu preciso retirar o preso daqui, eu o revisto, após a roupa ser retirada. Ele vai ser algemado, enquanto os outros estão no procedimento (sentados com a mão na cabeça), vou retirá-lo e vou lacrar o local, tudo isso feito com equipamentos não letais e uso diferenciado da força.”

 

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